Avani Lopes Feitosa: Aula em Cena

Atriz e Professora, dava aula como se estivesse em cena e fazia os alunos viajarem...

“A gente só pode encontrar o futuro, se a gente antes achar o começo” menciona o personagem de Márcio Maracajá no documentário “Sai Pra Lá Abacaxi Que Eu Comi Leite”. É entre esses escombros do passado e tijolos que constroem o futuro, que reside, no teatro de Santa Cruz do Capibaribe, a memória de Avani Lopes, a Dama do Teatro Santacruzense.

Muito mais que uma aptidão artística, Avani se elabora como um agente político, pois, sua ação e participação da cena, elaborou uma estrada antes inóspita, inoperada, inexistente.

Nascida no agreste pernambucano no dia 6 de agosto de 1957, Avani teceu sua história na cultura e se construiu como educadora durante vinte e cinco anos, a contar do dia 03 de março de 1980. Sua atividade em sala de aula, permeada por uma metodologia teatral que a acompanhava, atraiu olhares, elaborou sonhos e construiu histórias. Foi assim que conta Maracajá, quando viu sua professora, pela primeira vez no palco: “Quando vi aquela mulher no palco, aquilo foi arrebatador”. Como professora, seu método era singular, quase mágico. Em suas aulas na Escola Padre Zuzinha, as palavras ganhavam vida, dançavam pelo ar, convidando seus alunos a explorarem sua própria criatividade.

Sua ação política, metodologicamente inserida no campo da educação, direcionada criticamente por um olhar atento e combativo sobre as ideias que vigoravam, à época, sobre o fazer-se professora, no qual, como nos lembra o argumento empregado no Projeto de Lei que, simbolicamente, eterniza seu nome na história da cidade, denominando seu nome como regente da Escola Municipal Profª. Avani Lopes Feitosa. O Projeto de Lei n°044/2011, diz assim: “Suas aulas eram alegres e repleta de novidades e não admitia que o professor tivesse dois comportamentos profissionais: um na escola particular e outro na escola pública. Deixava isso em evidência, através de seu exemplo e aproveitava o seu dom de representar e tornava os encontros de sala de aula em agradáveis momentos de aprendizagem. Dava aula como se estivesse em cena e fazia os alunos viajarem na história.”

Essa memória se entrelaça, novamente, com a história do Maracajá, algumas vezes já citado aqui, que lembra a potência inspiradora e política de Avani, ao conquistá-lo em seu primeiro contato com a escola. Avani Lopes acompanhou sua formação desde o início, na educação infantil, ele a via não apenas como uma professora, mas como uma guia. Ela incentivava os alunos a questionar, a sonhar, a criar. Em sua casa, sempre aberta como um espaço de aprendizagem, jovens encontravam refúgio e estímulo para criar. Ali, entre livros, manuscritos e adereços teatrais, nasciam ideias que tomariam forma nos palcos e na vida.

Santa Cruz do Capibaribe é uma cidade repleta de grandes atores, escritores – artistas! – e “Avani era superlativa”, conta Edson Tavares. Sua construção se misturou com a história de Santa Cruz, cidade que a matinha em um relacionamento com a sulanca como forma de operar e enfrentar a vida. Isso é o que conta a sobrinha, Isabel Lopes, durante os esforços diários para produzir e se manter nos trilhos do teatro: “Ela trabalhava com confecção […] eu ensaiava muito os textos com ela. Ela na máquina, costurando. Ela gravava em áudio e ficava escutando no rádio o texto.” Em meio a este mundo, Avani foi tentando, fazendo, buscando os caminhos de realizar seus sonhos.Maracajá conta, ainda, que essa história tem origem na articulação de estudantes do magistério, formado, inicialmente, pela atuação das mulheres. Esse movimento marca uma nascente articulação, em meio à uma economia têxtil em franca ascensão. 

Criado na década de 1980, o Grupo Teatro Capibaribe, o Grutecap, encontrou seu espaço ao lado de outros nomes importantes e produtores da história do teatro, ampliando sua marca de atuação. Junto a Avani Lopes, estavam: Hamilton França, Rosely Ramos, Reinado Lima, Marcondes Moreno, Betânia Aragão, Dalva Chagas, Eunice Ribeiro, Inácio Filho, Lúcia de Dori, Chibau, João Alfredo, Marlene Lopes, Márcia e Neide Ramos, Edna Feitosa são alguns dos nomes. O Grutecap foi  seu lar artístico, um espaço em que podia dar asas ao espetáculo junto a seus pares, que construíram a história do teatro da cidade. Era ali, nos palcos do Teatro São José e nas ruas, que Avani se transformava, incorporando personagens com uma intensidade que deixava a plateia sem fôlego. Ela não apenas atuava; ela vivia, transcendia, levando consigo o público em uma jornada de emoções cruas e verdadeiras.

Avani era uma mulher de muitas facetas. Na pele de uma atriz, emocionava; como diretora, encantava; como educadora, transformava; como costureira, costurava. A psicóloga Thereza Cristina nos lembra, em seu texto “Entre o giz e o retalho: ser professora em Santa Cruz do Capibaribe-PE”, publicado no livro “Histórias de Santa Cruz do Capibaribe: Tecendo saberes e leituras sobre a cidade, 1953-2023”, o quanto a história de professoras e costureira se mesclavam, em uma só sinergia, para conseguirem construir suas vidas, educar suas filhas e seguir seus sonhos em uma cidade que, historicamente, negou a linguagem cultural.

Nesse espaço em disputa, Avani se elaborou enquanto atriz deixando sua marca na política cultural da cidade. Convidada a integrar a Secretaria de Educação e Cultura de Santa Cruz, ela levou consigo toda a sua paixão e criatividade, organizando caravanas culturais que ecoaram pelas zonas rurais, levando arte aos recantos mais esquecidos. Para ela, a cultura era um direito de todos, e fazia questão de entregá-la de forma vibrante e acessível.

Diógenes Rodrigues, no documentário “Sai Pra Lá Abacaxi Que Eu Comi Leite”, traz o sentido do fazer político presente em Avani. Diógenes diz: “O momento que a gente para o trem e aí lasca tudo e a gente não consegue mais ser feliz. Se um dia eu parar de fazer teatro, aí eu vou dizer que não valeu a pena minha luta, meu esforço, essa luta que eu luto diariamente.” Essa é uma fagulha da história de Avani, que necessita ser observada de perto e encontrar outros aspectos das represálias que o Teatro, no Brasil, passou. 

Avani Lopes Feitosa não partiu em 06 de outubro de 2005 (★ 06 de agosto de 1957), se tornou cenário, referência da arte neste agreste pernambucano, ela – em cada um de nós – se mantém presente. Sua herança cultural, sua contracultura, as lembranças, a prática, e seu Teatro virou gente. Muito mais gente! Avaníssima, eu diria, como um novo fôlego.

Texto: Ana Luisa Aragão, Rodrigo Ferreira e Mayara Bezerra.

Sai Pra Lá Abacaxi Que Eu Comi Leite (2024)

30 de outubro de 2024

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